quinta-feira, 15 de março de 2018

Aula 2: A decifração dos hieróglifos

O último texto hieroglífico conhecido é o que aparece na foto abaixo.


Trata-se de um pequeno trecho, escrito em hieróglifos pouco trabalhados, com uma oração em homenagem a um deus. O texto nos informa a data (24 de agosto de 394d.C.) e o autor (o escriba Esmet-Aakhom) deste que é conhecido, atualmente, como o "último" texto hieroglífico.

Gradualmente abandonados, é provável que já no século V d.C. não existissem mais pessoas que soubessem ler os antigos hieróglifos egípcios. A antiga religião pagã egípcia havia sido proibida e substituída pelo cristianismo (e, posteriormente, a região se tornaria islâmica).

Com o desaparecimento deste conhecimento, os textos e a história egípcia foram colocadas sob um véu. Durante cerca de 1300 anos, os textos egípcios, sua história e seu significado permaneceram um mistério.

Neste período, houve várias tentativas de decifração. No século V, por exemplo, Horapolo publica seu Hieroglyphica, uma explicação de quase 200 símbolos que, porém, não tinham qualquer relação com a realidade. As teorias sobre o significado dos símbolos que apareciam nos templos egípcios variava: de simples ornamentação (havia aqueles que diziam que os hieróglifos não significam nada) a uma língua em que os desenhos representavam exatamente o que pareciam - criando traduções absurdas e fantasiosas.

Em 1799, com a descoberta da Pedra de Roseta pelas tropas de Napoleão, uma nova busca pela decifração começava.

A pedra de Roseta. Clique para ampliá-la

Esta estela, criada no governo de Ptolomeu V, anuncia a revogação de impostos, e ordenava a criação de estátuas para os templos. O importante, porém, não estava propriamente no conteúdo do texto. Mas no fato de que o mesmo decreto havia sido escrito em hieróglifos, em demótico e em grego. Pela primeira vez os estudiosos tinham, à sua disposição, um texto egípcio em que o significado poderia ser conhecido (afinal, o grego é, ainda hoje, uma língua viva).

Foi o pesquisador francês Jean-François Champollion quem, finalmente, conseguiu quebrar o código dos hieróglifos, ao descobrir que alguns sinais egípcios poderiam representam palavras inteiras (eram os ideogramas) enquanto outros - a sua maioria, na verdade - representavam sons.


Champollion

Champollion tinha uma vantagem extra na sua busca pela decifração dos hieróglifos: ele era um estudioso do copta - uma língua que ele acreditava ser (e hoje sabemos ser verdade) herdeira direta do antigo egípcio.

Costuma-se colocar 1820 como a data de início a "egiptologia" (o estudo do Antigo Egito), por ser este o momento em que, finalmente, os textos egípcios puderam ser lidos e entendidos. Depois de 1300 anos, finalmente, a língua egípcia - e, com isso, aspectos essenciais e de sua cultura e sua história - estava à disposição dos estudiosos.

A seguir partiremos para o estudos dos hieróglifos. Na próxima aula: A direção de leitura dos hieróglifos egípcios.

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Abraços,
Antonio.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Curso de Hieróglifos Egípcios - Aula 1

Acho que chegou a hora de iniciarmos um pequeno curso de introdução à leitura e escrita de hieróglifos egípcios. O objetivo aqui é dar as primeiras noções do que são os hieróglifos e de como são lidos e escritos. E, claro, apresentar uma série de treinos para que você mesmo possa praticar a sua habilidade de leitura e de escrita.

Além disso, é importante tentar preencher uma lacuna: não há, em língua portuguesa, materiais de qualidade que ensinam a leitura e a escrita da antiga língua egípcia.

Como essas aulas ficarão na internet por séculos e séculos vindouros, procurarei ser didático. Além disso, iremos passo a passo, devagarinho. Baby steps. Não terei condições de atuar como tutor e apenas eventualmente poderei dar uma assistência.

Na aula de hoje: O que são hieróglifos egípcios?A resposta mais simples para esta questão - hieróglifos são a escrita dos antigos egípcios - não é, porém, totalmente correta.


Os egípcios foram um dos primeiros povos, em conjunto com os sumérios, a desenvolver um sistema de escrita. E este sistema partiu de pictogramas, ou seja, de imagens que significavam objetos. O desenho de um pássaro significando a palavra "pássaro".

Gradualmente, este sistema passou a se mostrar insuficiente. Era necessário desenvolver novos sinais para que ideias mais complexas pudessem ser transmitidas. Como escrever, por exemplo: "o rei capturou 6 mil inimigos"?

Esta é a chamada Paleta de Narmer.

Clique aqui para uma imagem maior da paleta.

Trata-se de um documento histórico interessante. Mostra, de um lado o rei (que se acredita chamar "Narmer", pelos sinais na parte superior) matando um inimigo e, de outro, em uma procissão, provavelmente comemorando sua vitória na guerra.

Note que, de um lado, Narmer utiliza a Coroa branca (do Alto Egito); e do outro lado da paleta, a coroa vermelha (do Baixo Egito). Por isso, acredita-se que ele tenha sido o responsável pela unificação do antigo Egito.

Mas, para nosso curso, vamos prestar atenção a uma imagem em particular:



 Esta imagem mostra uma evolução dos sinais egípcios, em direção a um sistema de escrita completo.
O que ela significa?

- O pássaro, o falcão, é um símbolo da realeza. Aqui, portanto, ele representa Narmer;

- Pode-se notar a cabeça de um homem. Ele está sendo seguro pelo nariz. Não é muito difícil concluir que se trata de uma pessoa subjugada. No caso, de um prisioneiro.

Podemos descobrir a primeira informação: o rei tem um prisioneiro.

- Agora, note as imagens que saem das costas do prisioneiro. Elas são a representação de uma planta que, durante toda a história egípcia, teve o significado do número mil.

A informação, agora, está completa: o rei capturou 6 mil inimigos.

Gradualmente, a escrita hieróglifica foi evoluindo. No chamado Antigo Império, muitos dos elementos da escrita pictográfica ainda permaneciam.

Foi no Médio Império que a escrita hieroglífica atingiu o seu auge. Por isso, é chamado de "egípcio clássico" pelos historiadores. É o momento em que a língua egípcia e escrita hieroglífica alcançaram o apogeu, com textos em diversas áreas do conhecimento.

A partir do Novo Império, a língua egípcia mudou. E, com ela, sua escrita. Aparece o hierático, um sistema de escrita adaptado à esta nova língua egípcia.


O hierático.
Você vai encontrar, em muitos lugares - em livros didáticos de História, por exemplo - que o hierático é uma espécie de "hieróglifos em letra cursiva". E isto não está correto. O hierático tem muitas semelhanças com os hieróglifos, é claro. Afinal, descende dele. Mas é um sistema de escrita diferente, para uma língua diferente. A línga egípcia havia mudado; e, com ela, o seu sistema de escrita.

Ou seja, a partir do Novo Império, os hieróglifos não representam mais a língua egípcia. Porém, foram mantidos, como respeito à tradição. E seu uso era reservado a templos e descrições de fatos da realeza.

Mas as mudanças da língua e da escrita egípcia não pararam por aí. Ao hierático seguiu-se o demótico - também uma nova escrita associada a uma nova língua. E, já na fase final da história do antigo Egito, aparece o Copta - uma língua derivada do antigo egípcio, mas escrita com caracteres gregos (aliás, é uma língua ainda falada em rituais litúrgicos da Igreja Cristã Copta).

A escrita utilizada pelos egípcios é tradicionalmente assim esquematizada:
  • Egípcio Antigo (IV milênio: enunciados, relativa aos títulos dados aos soberanos, administrativa e econômica);
  • III din. (cerca de 2700 a. C.; frases compostas);
  • V din. (2.500 a. C.; Textos das pirâmides, a última no túmulo de Ibi – VIII din., cerca de 2200 a.C. ao sul de Saqqara);
  • Autobiografias de indivíduos;
  • Médio egípcio (a partir do final do terceiro milênio até a metade da XVIII dinastia; escrita sacralizada para durar para a eternidade, Textos dos sarcófagos);
  • Neo egípcias (entre Amenhotep IV - Akhenaton - 1364 a.C. até ao final do IIIPeríodo Intermediário, cerca de 700 a.C.; alguns documentos administrativos e privados, período raméssida e Hino a Aton);
  • Demótico, introduzido por Psammetico I, em 664 a.C.;
  • Copta (século II d.C., foram adicionadas cerca de 2.000 palavras gregas, conjunções e palavras eclesiásticas. 
Agora, você já sabe o que irá estudar: a escrita hieroglífica, que foi utilizada como representação escrita de uma língua viva até o Médio Império egípcio. E que, posteriormemente - até o final da história egípcia - tornou-se uma escrita ritual.

O tema da próxima aula será: a decifração dos hieróglifos.
Até lá.

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Abraços,
Antonio.